Relação França e África
Recentemente, durante uma entrevista, em um programa de televisão abordando a temática Covid-19, um médico francês questionou seu colega de profissão se poderia fazer uma pergunta “provocativa”, e continuou “não deveríamos testar vacinas na África, onde não há máscaras, não há tratamento, nem sistema de reanimação”. A frase causou polêmica e foi posteriormente rebatida por uma carta aberta publicada pelo coletivo SOS Racisme, na qual denuncia a pergunta como uma provocação muito colonial. Como sabemos, a colonização francesa na África se estendeu até o século XX. Em 1894, os franceses dividiram seus territórios em três partes: África Ocidental Francesa, África Equatorial Francesa e Ilhas Francesas, estavam entre seus territórios: Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal, Congo, Gabão, Chade, Camarões, República Centro Africana, Madagascar e Comores. Marcada por trabalho forçado, pela exigência de reverenciar seus símbolos nacionais franceses em detrimento da cultura africana, essa colonização deixa um legado. Em exemplo é a imposição da língua francesa nas escolas, onde a pluralidade africana assim como seus dialetos eram desconsiderados, uma criança que não falasse francês era obrigada a portar um colar de osso de galinha. Ela só poderia tirar o colar se pudesse passá-lo a outra criança que tivesse falado em sua língua materna, incentivando uma rivalidade entre amigos e irmãos. O tema da colonização tem sido especialmente debatido em território francês desde 2005, quando houve a votação da lei do dia 23 de fevereiro, que, em seu 4o artigo, reconhece o “papel positivo da presença francesa em solo ultra-marinho”. Uma lei desastrosa mas que teve o mérito de voltar a atenção ao tema. Vale lembrar que mais tarde, nesse mesmo ano, 2005, Zyed Benna e Bouna Traoré, dois jovens de 17 e 15 anos não coincidentemente de origem africana, morreram eletrocutados fugindo de uma blitz policial em Clichy-sous-Bois (periferia de Paris). A morte dos dois adolescentes suscitou ações dos movimentos de resistência entre os jovens das periferias parisienses, como a queima de carros durante vários dias consecutivos, chegando a quase 1300 carros queimados em um único dia. Ou seja, não é novidade, levando em consideração o contexto da colonização francesa na África, comportamentos que se disfarçam de discurso médico ou científico para seguir com a exploração, adoecimento e colonização de corpos negros - na França ou em suas antigas colônias.